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MONTADORAS INVESTEM EM ROBOTIZAÇÃO, MESMO COM CRISE E FÁBRICAS OCIOSAS

Publicado em: 2017-08-16

Para produzir dois novos modelos, a VW instalou 373 robôs; mais tecnológica, indústria vislumbra saída da recessão e retomada do patamar de vendas pré-crise, mas o mesmo não deve acontecer com o número de vagas, que caiu 21% em quatro anos.

Em meio à crise, com fábricas ociosas e dispensa de funcionários, a indústria automobilística brasileira está intensificando o processo de robotização das linhas de montagem. Cada carro lançado nos últimos anos ou nova fábrica exigiram tecnologias mais avançadas, vitais, segundo empresas, para melhorar a produtividade, a qualidade e a capacidade para competir no mercado global e não fechar as portas.

Das 21 montadoras consultadas pelo Estado, 14 informaram o número de robôs em suas fábricas, num total de 4.653 unidades. Grande parte foi adquirida nos últimos quatro anos, período em que a produção de veículos caiu 32%, de 2,2 milhões de unidades em 2013 (até julho) para 1,48 milhão neste ano.

Fábrica da Volkswagen no ABC paulista ganhou mais 373 robôs no setor de carrocerias para melhorar qualidade de novos

O total de funcionários baixou de 136 mil para 106,7 mil – 21% a menos, ou quase 30 mil vagas. A saída da crise que começa a ser vislumbrada ocorrerá com uma indústria modernizada. Em alguns anos a produção poderá retomar o patamar do pré-crise mas o mesmo não ocorrerá com o emprego.

Para iniciar a produção do novo Polo neste mês e do Virtus em 2018, a Volkswagen instalou 373 novos robôs no setor de solda de chapas de carrocerias na fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, a mais antiga do grupo. Segundo o diretor de engenharia e manufatura, Celso Placeres, são máquinas com tecnologia avançada, mais rápidas, menores, mais precisas e eficientes que as anteriores.

De 2010 para cá, a Volkswagen acrescentou 971 robôs às linhas de montagem das três fábricas de automóveis no ABC, Taubaté (SP) e São José dos Pinhais (PR) e na de motores em São Carlos (SP). Hoje, tem 2.187 dispositivos principalmente nos setores de pintura, solda e agora na gravação de chassi e medição de carrocerias.

Na produção do novo EcoSport, lançado em julho, a Ford introduziu na fábrica de Camaçari (BA) 22 robôs que medem as carrocerias a laser e informam as máquinas à frente o local exato onde devem ser feitos furos para encaixe de peças. “Somos a segunda fábrica do grupo a usar essa tecnologia adotada nos EUA no ano passado para a produção do novo Mustang”, informa Milton Gil, gerente de estamparia e carroceria da Ford.

“Os últimos anos foram de altos investimentos em robotização, especialmente por parte da indústria automotiva”, diz Rafael Paniagua, presidente da ABB no País, empresa com sede na Suíça e líder global em robotização industrial. Mundialmente, cerca de 70% dos robôs estão no setor automotivo.

Embora liderado pela indústria automobilística, o processo de robotização no País se espalha por outros setores, com destaque para as indústrias de alimentos e bebidas, eletroeletrônica e química. O uso de robôs em diversas etapas da produção é um importante passo para fazer parte da chamada Indústria 4.0, ou fábricas inteligentes, totalmente automatizadas, dizem executivos do setor.

“Até recentemente a robótica era considerada só pelas grandes multinacionais, mas agora começa a ser adotada também por médias e até pequenas empresas”, diz José Rizzo, presidente da Associação Brasileira de Internet Industrial e da empresa de automação Pollux. “É o segmento tecnológico que mais cresce no mundo.”

No Brasil, segundo ele, são instalados em média 1,5 mil robôs por ano, mas, embora seja um avanço em relação a períodos recentes, é um volume considerado ainda muito baixo em relação aos países mais desenvolvidos. “A instabilidade econômica inviabiliza investimentos e o custo de capital é elevado”, justifica Rizzo.

INDÚSTRIA INSTALA 1,5 MIL ROBÔS POR ANO
No Brasil, a média hoje é de 10 equipamentos para cada 10 mil trabalhadores, relação considerada baixa; na Coreia do Sul, são 531

Para Marcelo Cioffi, diretor da consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC), o movimento que ocorre nas montadoras está relacionado a lançamentos dos chamados veículos globais (o mesmo produto em todos os países) e novas tecnologias que exigem a robotização.

“Com o mercado pressionado, a grande ociosidade em fábricas que receberam investimentos recentes e a situação econômica atual, acho difícil que ocorra neste momento uma nova onda de investimentos que leve a indústria brasileira a níveis mundiais”, avalia Cioffi.

Atraso. Dados da Federação Internacional de Robótica (IFR, na sigla em inglês) mostram que na Coreia do Sul, país que lidera o processo de automação, há 531 robôs para cada grupo de 10 mil trabalhadores na indústria como um todo.

Em Cingapura, no Japão e na Alemanha, a proporção é superior a 300. Na China está em 49, mas com previsão de chegar a 150 até 2025. No Brasil, empresários do setor de automação avaliam que há apenas 10 robôs para cada 10 mil trabalhadores na indústria.

Na opinião de Rafael Paniagua, presidente da ABB, empresa de robótica com quatro unidades no Brasil, a baixa “densidade” de robôs no País “aponta diretamente para o crescimento desses equipamentos nos próximos anos”.

A ABB importa robôs e faz adaptações, instalação e presta serviços de manutenção. A produção de robôs está concentrada basicamente no Japão, na Alemanha e na Suíça. A China entrou no ramo recentemente.

“É uma questão de custo-benefício”, afirma Roberto Cortes, presidente da MAN Latin America, fabricante de caminhões e ônibus. “Depende da relação robô versus mão de obra.”

A MAN, explica ele, produz caminhões “sob medida”, ou seja, o cliente define boa parte das características do modelo que vai comprar. Não é uma linha contínua, onde a robotização é mais eficaz, afirma.

Atração turística. Segundo Cortes, quando a fábrica de Resende (RJ) foi inaugurada, em 1996, com o inovador sistema modular de produção (com fornecedores ao lado da linha de produção dos veículos), havia apenas dois robôs na área de pintura. “Era uma atração turística, todo mundo queria ver.”

Só dez anos depois foram instalados mais 10 robôs na montagem de cabines e na própria pintura. “Nos próximos meses vamos dar um salto tecnológico com 40 novos robôs, elevando o número total para 52”, informa Cortes. O investimento soma R$ 200 milhões.

A modernização será necessária para a produção de uma nova linha de caminhões globais que, diz o executivo, será chave para o processo de internacionalização da operação brasileira. “O novo processo produtivo será mais eficiente, mais produtivo, com mais rapidez e praticamente erro zero”, diz Cortes, sem dar detalhes do novo produto.

Produtividade. Celso Placeres, diretor da Volkswagen, ressalta as vantagens da robotização, como flexibilidade para fazer diferentes modelos em uma mesma linha sem riscos de troca de peças, garantia de qualidade e eficiência. O robô, por exemplo, “avisa” se há algum defeito no ponto de solda. O que opera na armação identifica se alguma medida da carroceria está fora da tolerância.

Placeres lembra que o avanço tecnológico não ocorre só com a robotização, mas também com um processo contínuo de digitalização. Um sistema simples, criado na própria fábrica, acende uma luz vermelha de alerta se o trabalhador colocar a mão na caixa errada para pegar peças indicadas pelo sistema digital para o carro que passa na linha.

As empresas não revelam os ganhos de produtividade com a robotização. A Pollux, criada no Brasil há 20 anos, comercializou 200 robôs nos últimos 2,5 anos, a maioria para atividades leves. No período, dobrou seu faturamento para R$ 60 milhões e passou a atuar com a locação de robôs.

“Em vez de gastar R$ 400 mil na compra, é possível locar um robô por R$ 8 mil a R$ 9 mil por mês e garantia de assistência”, informa Rizzo.

EVOLUÇÃO

Indústria 1.0
No fim do século 18 ocorreu a chamada Revolução Industrial com o processo de mecanização, com máquinas e locomotivas funcionando a água e a vapor.

Indústria 2.0
No início do século 20 Henry Ford criou a linha de montagem para produção em massa, movida a energia elétrica. Surgiu também o motor a explosão.

Indústria 3.0
O começo dos anos 70 marcou o início da revolução digital, com uso da eletrônica e Tecnologia da Informação em produção automatizada. É nessa categoria que está a maioria das empresas.

Indústria 4.0
Também chamada de 4º Revolução Industrial, é a nova etapa que está avançando nos países mais desenvolvidos, mas ainda tem longo caminho a seguir, especialmente nos mercados em desenvolvimento. Fábricas e processos são inteligentes, máquinas se comunicam com outras máquinas (Internet da coisas). Robôs e carros são autônomos. Cresce o uso da impressão 3D. Há total interação entre fabricantes, fornecedores, revendedores e clientes.

‘PROFISSÕES DEIXAM DE EXISTIR, MAS SURGEM OUTRAS’, DIZ CONSULTOR

Empresários e sindicatos esperam ações do poder público para formar e requalificar nova mão de obra

Cleide Silva, O Estado de S.Paulo
O efeito real sobre o impacto da robotização no número de empregos é incerto. Defensores do processo, visto como irreversível, afirmam que diversas profissões vão desaparecer, mas outras surgirão, a exemplo do que ocorreu nas revoluções industriais anteriores.

“Em países com maior índice de robotização, como Coreia, Cingapura, Japão e Alemanha, a taxa de desemprego é baixa”, diz o presidente da ABB no Brasil, Rafael Paniagua. De acordo com dados de 2015 e 2016, nesses países o desemprego varia de 2,2% a 6,1% da população economicamente ativa. O Brasil, apesar do baixo índice de robotização, registrou taxa de desemprego de 11,6% em 2016, decorrente em boa parte da crise econômica.

Robôs na Volkswagen
Viabilidade. Com eficiência para competir globalmente, grupos podem manter operações Foto: Wether Santana
“Estamos vivendo o desemprego conjuntural, mas a reorganização do processo produtivo também terá impacto no desemprego estrutural”, afirma o secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Aroaldo Oliveira da Silva. Ele reconhece, porém, que se o Brasil não acompanhar a transformação industrial muitas empresas podem levar a produção para outro local.

“Na Alemanha, onde nasceu a Indústria 4.0, sindicatos e governo buscam intensificar a qualificação dos trabalhadores; no Brasil ainda não vemos essa preocupação por parte do governo”, informa Silva.

Para Marcelo Cioffi, da PwC, é certo que o mercado de trabalho será impactado, mas ao longo dos anos haverá uma acomodação. “Novas tecnologias promovem mudanças no mundo todo e profissões deixam de existir, mas outras surgem.”

O Brasil levará um bom tempo até essa etapa. Para ele, uma onda consistente de robotização pressupõe altos investimentos e, no momento, a maioria das empresas não está preparada para essa mudança radical. “Além disso, embora alto, o custo da mão de obra brasileira ainda é menor do que em muitos países e, por isso, vários processos de automação devem ser postergados.”

José Rizzo, presidente da Associação Brasileira de Internet Industrial, defende uma mobilização entre empresas, governo e sociedade para qualificar as pessoas e facilitar o empreendedorismo. “É preciso repensar a forma de ensino e facilitar a criação de empresas de tecnologia”.

Para Rizzo, ainda que parte dos funcionários perca o emprego, a automação vai salvar as vagas de quem ficar. “As empresas hoje avaliam quão viável é manter a operação em um país; se não for, levam para outro e todas as vagas são perdidas.”

Novos postos
Na MAN, fabricante de caminhões da marca Volkswagen e onde o uso de robôs será quadruplicado, não haverá cortes. “Pode até haver contratação”, diz o presidente da empresa, Roberto Cortes.

Para ele, o novo processo produtivo e a nova linha de produtos ajudarão nas exportações, o que pode exigir mais mão de obra. A meta é ampliar de 15% para 30% a produção para o mercado externo.

Fonte: http://economia.estadao.com.br, Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO